terça-feira, 21 de julho de 2009

Ilhabela. Semana da Vela.

Passámos ao largo do Rio, durante a noite, longe o suficiente para não ser possível distinguir os contornos da cidade, linda e maravilhosa, contra uma pequena mancha homogénea de luz artificial. Assaltou-me a tristeza pela inconveniência dessa escala, também temporal mas sobretudo burocrática, revoltante, mafiosa!
Ao cair da noite seguinte, à hora da nossa chegada, já o Yacht Club de Ilhabela celebrava as regatas do dia, num convívio bem animado de velejadores e entusiastas ao sabor de jazz, bossa nova e cerveja.
O Temüjin ficou durante todo o evento, embora penosamente privado da presença do "protegido do Gengis" que, dois dias após a chegada, teve que se ausentar em função dos compromissos do costume. Infelizmente pudemos apenas acompanhar (bem de perto, diga-se) as regatas diárias que compõem a Rolex Ilhabela Sailing Week, evento anual mais importante e concorrido da vela sul-americana. Centenas de veleiros vem de todo o Brasil e alguns da Argentina e Uruguai, propositadamente para participar da copa. Quanto ao Temüjin, que veio de Portugal, a burocracia (de novo; a detestável e questionável) nos impediu de participar ativamente da acirrada disputa.
Certa noite, como que para marcar o fim do evento que iniciara uma semana antes, entrou uma terrível frente fria que trouxe ventos soprando entre 35 e 55 nós, desamarrando alguns barcos, afundando outros e causando tormento geral durante toda a noite. Escapámos ilesos, sem um arranhão.
Apesar de tudo, foi muito proveitosa e agradável esta escala do Temüjin na sua rota rumo ao sul.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Bons ventos!

Fizemos uma rápida escala em Cabo Frio com o primordial propósito de embarcar uma certa figura que, mal pisou no convés, bradou de peito inchado: “Daqui até Ilhabela, só à vela. Não quero nem ouvir alguém pensar em ligar o motor.” Como que se fosse senhor absoluto dos ventos e mares, encomendando as condições que desejaria. E como se os deuses Eolo e Neptuno lhe devessem obediêcia. Bem... o certo é que fomos brindados com os melhores ventos e marés que navegámos desde que embarquei, há um mês atrás em Salvador. Rumo direto ao destino, de vento em popa e surfando as ondas a uma média de nove nós, fazendo picos frequentes de doze e, atingindo um máximo de catorze e meio. Impressionante!
O Lucius Khan ainda teve a lata de afirmar cheio de confiança e tranquilidade: “Falei que seria na vela.” Talvez nem tenha dado conta que estava fazendo troça dos miseráveis que, há várias centenas de milhas, vinham sendo presenteados com o desconforto do vento na cara, o bater seco do casco a cada onda que pulava e a companhia agonizante do ruído do motor. Cheguei a questionar se o próprio Gengis intercede junto dos deuses a favor do seu protegido, visto este ainda não ter verdadeiramente “saboreado o doce balanço” de navegar contra o vento. Constou-me que a travessia de Lisboa até Fernando de Noronha foi sempre acompanhada de ventos favoráveis. Os britânicos, talvez com ironia ou alguma arrogância, dizem: “Gentlemen don't sail upwind.” Logo te calha. Não perdes pela demora. Nesse momento, vou querer te ouvir gabar da sorte, com o mesmo orgulho.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Nota de rodapé!

Fotos ilustrativas dos meus posts virão em breve.

Mas um breve menos demorado que os prometidos posts do Lúcio... :-)

Visitas

“Pêêêêdroooooo, acorda. Vem aqui ao cockpit.” Ainda atordoado de sono, me questionei se teria mesmo alguém me chamando. Mas logo o Sérgio gritou novamente o meu nome e, num pulo, me levantei, espreitei para o cockpit e o fitei com ar inquisitivo e pouco amistoso. Dormia há menos de uma hora, após ter levantado de manhã bem cedo para levantar âncora e deixar Abrolhos. “É o turno dele, porque raio está me chamando?” - pensei. O arquipélago ainda estava bem visível, a umas escassas seis milhas à nossa popa. “Chegaram.” - continuou. “Chegaram? Quem, o quê, como, quando?” – continuei pensando numa letargia sonolenta, achando ser outra tentativa dele me sacanear. “Você falou que mandou o e-mail. Então... aí estão elas.” Fez-se luz, antes mesmo de sair disparado da cabine e olhar na direção da proa. Eis, uns 300 metros à nossa frente, quatro borrifos em alternada sintonia.
Dias antes me queixara que em cerca de oito mil milhas náuticas navegadas, algumas das quais pelo Arquipélago dos Açores, nunca tivera a sorte de avistar baleias. Ele me sugeriu que mandasse um e-mail a combinar o encontro, que elas viriam.
Lentamente, aproximámo-nos do espetáculo deslumbrante que nos era proporcionado. Indescritível! Rolavam, chapinhavam as enormes nadadeiras peitorais, mergulhavam a pique exibindo a cauda, emergiam, expiravam... Puro exibicionismo, desprezando a nossa presença a escassos 10 metros.
Poucas horas depois, outro grupo nadava bem à superfície, na nossa direção, em pura rota de colisão, insistindo em não se desviar. Como se o oceano fosse pequeno. Como se todo ele fosse sua propriedade. Se marimbando totalmente para as nossas intenções. “Vai querer encarar?” - perguntou o Sérgio enquanto aumentava a rotação do motor e virava o leme, desviando o nosso rumo do caminho de suas excelências. O que para essas “pequenas criaturas” pode ser apenas um esfregar as costas, até útil para tirar a craca, para o nosso belo Dufour 405 pode significar um estrago indesejável.
Com o cair da noite entrou finalmente o muito esperado vento de nordeste. Felizes, desligámos o motor, afinámos as velas e curtimos o silêncio do mar chapinhando no casco. Com vento de 12 nós pela alheta, o Temüjin deslizava pelas ondas a uns modestos 8 nós.

Abrolhos

A escala no Arquipélago de Abrolhos não estava nos nossos planos de viagem. Mas que plano de velejador é cumprido à risca? Nenhum!!! A frente fria que nos tem enviado fortes ventos de sul insistia em permanecer no nosso rumo, nos tornando a viagem menos prazerosa. Ossos do ofício, dificuldade frequente a todos que ousam descer a costa brasileira nesta época do ano.
Após dois dias de navegação contra vento e correnteza, chegámos já de noite e fundeamos no abrigo da ilha, para descansar um pouco. Abrolhos... "Abre os olhos..." O nome não me era estranho... Esperava encontrar uma ilha com um pequeno vilarejo e um povo hospitaleiro. Fiquei meio triste e desiludido ao ser informado que era vagamente habitado por meia dúzia de militares e dois ou três ambientalistas do IBAMA e, especialmente por ser estritamente proibido o desembarque em terra firme.
Na manhã seguinte, o Temüjin recebeu a visita do Hamaran, o Monitor Ambiental do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, cuja missão era nos informar acerca das regras restritas do local: “Não jogar absolutamente nada no mar, não pescar, não desembarcar em terra, com exceção da Ilha Siriba, desde que acompanhados por mim”. Assim foi. Fui conhecer a minuscula Ilha Siriba. Percorremos uma trilha estreita entre centenas de Atobás, pousados nos seus ninhos feitos no chão, guardando suas crias que treinavam o bater das asas ainda ralas de plumagem, para as fortalecer e preparar futuros vôos. Para fechar com chave de ouro, mostrou-me parte da riquíssima biodiversidade marinha do local, num deslumbrante mergulho de snorkel pelos recifes de coral. Nadei no meio de peixes de todas as cores e de tartarugas enormes.
Acabou por compensar a paragem. Obrigado Hamaram. Até à vista.

Itacaré

Para nosso descontentamento, o vento não rondou para Leste, conforme previsto. Voltou a soprar de Sul com bastante intensidade, trazendo algum desconforto à nossa viagem. Por outro lado, agradou-me poder verificar o comportamento do Dufour 405 Grand'Large no contra-vento. Excelente! Orça bem demais, com boa velocidade e sem adernar em demasia. Um desempenho que equilibra muito bem o melhor de dois mundos: a velocidade e ângulo de orça de um veleiro de regata com o conforto e estabilidade de um veleiro de cruzeiro.
Testado o veleiro no contra-vento, ligámos o motor (insistência e pressa do Sérgio) e navegámos cerca de 90 milhas, totalmente contra o vento mas num rumo direto, até Itacaré, onde estava já prevista uma paragem curta.
Entrar na foz do Rio de Contas, local de fundeio, tem a sua manha. Convém conhecer, estar munido de cartografia bem precisa e detalhada, contar com correntes fortes e, essencialmente, entrar ou sair no estofo da maré alta. Depois de fundeado, as condições são más. A correnteza é muito forte, permanente e difícil de vencer no bote auxiliar. Convém ter um motor fora-de-bordo de uns 8 HP. O nosso teria 5 HP, caso tivesse funcionado. Torrei a paciência de tanto remar e contornar a correnteza para ir do barco para terra e vice-versa. E ainda tive que trazer, num bote de 2 metros de comprimento, mais de 500 litros de água doce e 200 de diesel.
Um pequeno pier flutuante para uma dúzia de barcos seria bom demais. Mas já nem pedia tanto. Apenas um pequeno barco ou plataforma flutuante que, de alguma forma, pudesse prestar esse serviço de abastecimento de água e combustível. Isso seria um ótimo contributo para o crescimento do turismo náutico de Itacaré. Haja vontade política. Eliminem-se as burocracias ocas e retardantes que frustram e eliminam ímpetos empreendedores.
Apesar dessas dificuldades para os navegantes, a cidade é muito agradável, pequena, tranquila, bem bahiana, as pessoas são simpáticas. A actividade económica da cidade, totalmente voltada para o turismo e pequenos serviços, antes das 17 horas é praticamente inexistente. "Mais cedo não faz sentido” - diziam-me - "pois todo o mundo, locais e turistas, está na praia ou praticando diversas actividades do rafting ao parapente". Itacaré é também famosa pela tradição e boas condições de surfe. O melhor de tudo são as praias fabulosas, algumas bem selvagens e apenas acessíveis por trilha.
A paragem acabou por se prolongar mais que o esperado, novamente devido à meteorologia desfavorável. Foi boa. Contudo, de barco, creio que não regressarei enquanto não oferecerem melhores condições.

Salvador, Bahia

Encontrei o Temüjin em Salvador, acabado de chegar de Fernando de Noronha, uma travessia direta que lhe levou 4 dias, com vento e ondulação contra.
Sonhava com este encontro há várias semanas. Ansiava experimentar este veleiro, Dufour 405 Grand'Large, o mais recente modelo do estaleiro Dufour Yachts. Foi a primeira vez que o vi na água.
Fui forçado a segurar a ansiedade por mais 5 dias, enquanto o vento teimava em soprar numa média de 15 nós vindo de Sul. Era bem de cara para o rumo pretendido.
Aproveitei para conhecer a capital do Estado da Bahia, cidade negra, de todas as cores, plena de alegria. Em época festiva de São João, o Forró tomou conta da cidade. No Pelourinho, sorri de emoção ao som da batucada vibrante do Oludum.
Certa madrugada, o vento suspendeu o seu sopro. Aproveitámos para deixar a Baía de Todos os Santos, rumo ao Sul.